Caruana Norato Antônio a sabedoria e a cura!
No próximo domingo completo os meus 90 anos e com muita felicidade compartilho aqui a história do 11° Caruana, o Norato Antônio, o que se incorpora em mim e proporciona-me estar em total conexão com a natureza e com a pajelança cabocla.
As energias da Encantaria sempre me protegeram e me guiaram nesta caminhada, mesmo quando eu ainda não tinha me tornado pajé. Mas, entre essas energias da Natureza, uma se tornou meu protetor maior e meu guia desde o início: o Caruana Norato Antônio.
Ele é o mestre e contramestre das minhas cordas de caruanas. E quem cuida da Fonte da Sabedoria da Cura nas Sete Cidades Encantadas do fundo das Águas. Uma energia antiga e protetora que conhece todos os segredos da cura, que organiza e orienta outras energias em suas missões na terra. Tão transparente e leve é sua energia que quase se funde com as águas, porque encontra-se no último estágio de evolução do Mundo Encantado.
Há um relato da Encantaria que mostra a força do Caruana Norato Antônio e o poder das energias da Natureza. Conta-se que há muitos anos, onde hoje se espraiam as águas do Lago Guajará, na Ilha Do Marajó, Norato Antônio surgia em forma humana, em noites de lua cheia, para estar próximo dos viventes sem ser reconhecido.
Numa dessas noites, durante uma festa no vilarejo às margens do lago, ele surgiu do fundo das águas, circulou entre as pessoas presentes e logo cativou a atenção das moças. Uma delas, filha do dono da festa, caiu de amores pelo rapaz bem-vestido e bem-falante.
Ela cercou o visitante de agrados e monopolizou sua atenção. Tornou-se seu par constante. Próximo da meia-noite, Norato Antônio disse à jovem que teria de retirar-se.
A moça ficou inconformada. Rogou, implorou para que ele ficasse. O rapaz explicou que não poderia ficar. Mas a moça estava caída de amores. Pediu aos pais que suplicassem a ele para pernoitar na casa. Estava inconsolável.
Ao final, após tantos rogos e apelos, Norato Antônio disse à moça que passaria a noite na casa, mas sob uma condição. Pediu que, depois de recolhido, ninguém fosse procurar por ele. Ninguém poderia entrar no quarto, não importa o que lá acontecesse, especialmente se ouvissem um ruído estranho por volta da meia-noite.
A moça então despediu-se do rapaz prometendo respeitar o pedido. Voltou para o baile e continuou a dançar. Porém, sua curiosidade aumentava. Por que ele não queria ser incomodado aquela hora?
Por fim, não se conteve e deixou a festa para espiar o belo visitante. Foi até o quarto e olhou por uma fresta na madeira. Viu Norato Antônio deitado em uma rede. Reparou que os ponteiros do relógio do quarto cruzavam as doze horas.
Ao som da primeira badalada, entretanto, ela soltou um urro surdo e gemeu, ao ver novamente o jovem na rede. Norato Antônio, antes um belo rapaz, agora se retorcia e se transformava numa enorme cobra. Antes de perder os sentidos, ela sentiu que o grito a denunciou, porque tinha descoberto o segredo de um encantado.
Ao voltar a si, a casa vibrava. Norato Antônio, observado em sua intimidade fez vibrar as energias que o protegem da curiosidade dos mortais. A terra tremeu. A casa começou a desabar. As águas subiram e invadiram tudo. Por todos os lados, as construções ruiram. Em minutos, a cidade foi desaparecendo sob as águas.
Hoje, no lugar onde antes se erguia o vilarejo, existe apenas o Lago Guajara. Mas há quem conte que em noites de lua cheia, quando se atravessa aquelas águas, é possível ver as luzes da cidade e ouvir os sons da festa que nunca acabou.
Desde então, Norato Antônio nunca mais tomou a forma humana. Mas continua a vir ao mundo dos viventes manifestando-se nos pajés, para ajudar quem o procura. Nessas ocasiões, também traz ensinamentos profundos para os viventes.
E lembra que a força dele e dos Caruanas está na fé de quem crê verdadeiramente nessas energias.
Zeneida Lima é pajé caruana. Ambientalista e escritora.