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A ILHA DO MARAJÓ

A ILHA DO MARAJÓ

Um pouco de história: o tradicional e o novo

A ilha do Marajó foi habitada, muito antes da chegada dos portugueses, entre os anos 400 e 1.300 d.C., por povos que faziam uma cerâmica bonita e refinada. Eles fabricavam potes, vasos, tigelas, tangas, urnas funerárias, adornos e outros objetos, com um estilo próprio, que ficou conhecido como cultura marajoara. Contavam histórias e expressavam suas crenças e emoções, só que em vez de palavras escritas, usavam imagens. Desenhavam ou moldavam no barro animais e seres da floresta: cobras, jacarés, tartarugas, lagartos, corujas, macacos. Esses objetos, que foram encontrados pelos arqueólogos, estão vivos e espalhados por museus do mundo inteiro.

Quando os portugueses chegaram ao Pará, em 1616, a ilha do Marajó já estava ocupada por outros povos estimados em cem mil habitantes. Eles falavam línguas diferentes da Língua Geral ou Nheengatu (que significa língua boa), usada na catequese pelos missionários.  Por isso, ficaram conhecidos como Nheengaíbas (que significa língua difícil). Um desses povos era o SACACA, dono de conhecimentos sobre plantas medicinais, ervas e cipós, transmitidos oralmente de pai para filho através de histórias e de narrativas míticas. Em algumas gerações, os povos do Marajó adotaram a Língua Geral e depois a língua portuguesa, mas a palavra sacaca ficou para denominar o pajé ou aquele que cura.

Os povos do Marajó, através dos séculos, criaram formas majestosas de arte como a cerâmica, a pintura, a arquitetura deixada nos traços das aldeias encontradas, além de mitologias, narrativas, poesias, cantos, pajelanças, etnosaberes e muito mais coisas que hoje inspiram a alma do caboclo. Esses saberes acumulados durante milênios podem ajudar-nos hoje a melhorar a qualidade de vida na Amazônia. Daí surge a necessidade de fortalecimento dessas expressões culturais que têm em sua existência a herança de povos que resistiram à imposição colonizadora, mas que souberam também dialogar com outras culturas, incorporando novos elementos da modernidade.

Hoje, surgiram novas informações, novos meios de vida e novas preocupações. O grande desafio do século XXI é: como acompanhar as mudanças tecnológicas e ao mesmo tempo manter a tradição, os conhecimentos sobre a floresta, a qualidade de vida, o respeito ao meio ambiente e a forma de olhar o mundo? Como incorporar as inovações sem perder a identidade e a origem marajoara? O homem marajoara não tem medo das inovações e da mudança, ele quer mudar, preservando, no entanto, o que tem de melhor na sua tradição.

Um professor francês, Jean Jaurés (1859-1914) escreveu que a defesa da tradição deve ser feita não para conservarmos as cinzas, mas para soprarmos as brasas: Do passado ele diz apoderemo-nos do fogo e  não das cinzas.

Esse é o espírito que tem animado as jornadas de oficinas e palestras que realizamos  em Soure em quatro anos consecutivos. Discutimos questões como o desmatamento, a proteção da fauna da Ilha, o papel que o marajoara deverá desempenhar na luta pela preservação da Natureza e até problemas modernos como o aquecimento global.

 

Um pouco de geografia: o território e o meio-ambiente

Situada bem no coração da foz do Rio Amazonas, a Ilha de Marajó guarda muita beleza e contrastes. Maior ilha fluvio-marinha do mundo, com quase 50 000 km² (o tamanho dos estados de Sergipe e Alagoas juntos), a Ilha de Marajó é a extensão natural de uma visita à capital paraense. A viagem de lancha que separa Belém da cidade de Soure, capital da ilha, dura duas horas e atravessa as baías do Guajará e do Marajó. Situada na foz do Rio Amazonas, a ilha, um paraíso selvagem, é uma extensa planície, pontilhada de campos, matas, mangues e igarapés.

O lado oriental, mais próximo da capital paraense, abriga boa parte dos vilarejos e das fazendas de criação de búfalos (a manada da ilha é a maior do país). É nessa região que vive a maioria dos 250 000 habitantes de Marajó. Do outro lado da ilha, praticamente desabitado, os campos dão lugar a uma floresta úmida e abafada.

A melhor época para visitar Marajó vai de janeiro a junho, quando chove quase todo final de tarde e os campos ficam inundados, a relva, viçosa,  e o clima, mais ameno. No resto do ano, o forte calor faz o solo rachar, abrindo cicatrizes na terra.

Os búfalos são uma presença marcante na vida dos marajoaras - tão forte quanto o carimbó e o lundu, danças de origem africana e indígena típicas do Pará. Os animais, que chegam a pesar meia tonelada, pastam livremente pelas ruas de Soure e até servem como viatura para uma espécie de polícia montada. Servem também como táxi e, no carnaval, puxam carroças equipadas com potentes caixas de som, numa curiosa mistura de carro de boi com trio elétrico. A passarela do samba em Soure, por sinal, foi batizada de Bufódromo, numa homenagem ao animal-símbolo da ilha. O curioso é que os búfalos chegaram à região por acidente, depois que um navio carregado dos animais, que seguia para a Guiana Francesa, encalhou na costa da ilha.Os animais nadaram até a praia e se adaptaram ao clima inóspito do lugar - ainda hoje é possível encontrar búfalos selvagens nas matas de Marajó.

Existe um turismo promissor na região. Para conhecer o modo de vida simples marajoara, nada melhor que hospedar-se numa das muitas fazendas. De dia, pode-se passear a cavalo e navegar pelos igarapés e, à noite, aventurar-se na focagem de jacaré. Caso, porém, se prefira o conforto de um hotel, nos arredores de Soure é possível encontrá-lo num hotel-fazenda. Lá, você poderá experimentar a sensação de montar no lombo de um búfalo. Quatro animais mansinhos - Vagalume, Louro, Sol e Rambo - estão às ordens de quem quiser fazer esse curioso passeio. E, no final da visita, se prova os quitutes de Dona Carlota, a dona do empreendimento, que faz uma deliciosa geléia de cupuaçu, fruta típica do Pará.

No vilarejo de Cachoeira do Arari, distante 74 quilômetros de Soure por uma estradinha de terra, a atração é outro traço marcante da cultura da ilha: as célebres cerâmicas marajoaras, herança dos primeiros habitantes. Cachoeira do Arari é a sede do Museu do Marajó que, além da coleção de artefatos marajoaras, destaca-se por investir na preservação da cultura e das tradições dos ilhéus. "A principal peça do museu é o caboclo marajoara", afirma o italiano Giovanni Gallo, que foi diretor do museu e escreveu o livro: Marajó, a ditadura da água.


A arte dos marajoaras

Povos de culturas sofisticadas povoaram a Ilha de Marajó muito antes da chegada do colonizador europeu. Eram os marajoaras, que dominavam a técnica de horticultura na floresta e desenvolviam a agricultura itinerante, com queimada e derrubada de árvores. Habilidosos arquitetos, os marajoaras faziam aterros artificiais para erguer suas casas nas épocas de cheia.
O maior legado desse povo, que desapareceu por volta do ano de 1.300, foi a estilizada cerâmica marajoara. São vasos, jarros, pratos, utensílios de cozinha e urnas funerárias ricamente enfeitados com curiosos desenhos - o mais comum é o de uma serpente, representada por espirais. As peças mais antigas datam de 980 a.C. e podem ser apreciadas nos museus do Marajó, em Cachoeira do Arari, e no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém.

Inúmeros artesãos reproduzem peças de barro no estilo marajoara. A maioria dos ateliês fica em Icoaraci, cidade a 23 quilômetros de Belém, que tem uma cooperativa de ceramistas. O mais famoso de todos os artesãos é o seu Anísio, cujas bem trabalhadas peças já foram vendidas até para a Joalheria H. Stern. Quem visita seu ateliê pode acompanhar todo o processo de produção das peças.
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