Soure 165 anos: perto dos 90 anos, pajé Zeneida Lima muda vidas no Caruanas do Marajó
Em Soure, no arquipélago marajoara, no Pará, está situada a Instituição Caruanas do Marajó Cultura e Ecologia (ICMCE), fundada há 23 anos pela pajé, escritora e ambientalista Zeneida Lima, 89 anos, filha da cidade. O local tem como âncora um colégio no meio da floresta, fruto de um sonho de Zeneida, onde 180 crianças em situação de vulnerabilidade social, que habitam na região, podem estudar da pré-escola até a quinta série do ensino fundamental. O instituto possui convênio com a prefeitura e apoio do projeto Criança Esperança. Ali, meninos e meninas também aprendem sobre práticas de preservação ambiental e cultura marajoara.
Perto de completar 90 anos, no dia 21 de julho de 2024, Zeneida Lima não perde o sonho de mudar a realidade das crianças, que ela abraçou como filhos, e se vê nelas por conta das dificuldades que vivenciou na infância. Com muita emoção, ela relembra do chamado “Natal das Crianças” do ano passado, onde foram distribuídas bicicletas, bonecas, carrinhos e outros brinquedos para a criançada da instituição. A ação, que ocorre anualmente, conta com doações de parceiros e visa proporcionar um Natal mais alegre para os pequenos e suas famílias, que não têm condições financeiras de comprar presentes.
“Tudo que eu faço por elas [crianças] é aquilo que eu não tive. Então faço como se eu tivesse sendo aquelas crianças. Neste ano, nós ganhamos menos bicicletas, mas nos outros anos várias pessoas nos ajudaram a entregar as bicicletas. Tem ano que a gente dá 30 bicicletas. É um Natal onde entregamos bonecos e bonecas lindas para as crianças. Tenho um depoimento de uma avó falando sobre um presente que a neta ganhou. Ela sonhava em ter uma bicicleta, era o que ela esperava, e o que ela queria foi realizado”, lembrou Zeneida Lima.
Formação das crianças
Um dos filhos biológicos de Zeneida, Rubens Amorim, 60 anos, conta que 3.800 crianças já passaram pela instituição. “Nós já formamos muitas crianças. Várias delas, que já passaram por aqui e hoje são pessoas formadas, empregadas, que atuam como oficiais da Marinha Mercante, da polícia, do Corpo de Bombeiros, professores, entre outras profissões. Ninguém sai daqui São Tomé, nós respeitamos as crenças das famílias das crianças”, disse o ex-bancário, que aproveita a aposentadoria para dedicar-se à Instituição Caruanas do Marajó.
“Rubinho”, como é conhecido entre os amigos e familiares, rememora tempos difíceis que sua mãe vivenciou por conta dos preconceitos propagados contra as religiões e culturas de matriz afro-indígena. “O instituto foi construído debaixo de um preconceito velado, embrulhado num papel rosa com um laço bonito, que existe até hoje (…) Caruanas não é uma religião é uma cultura. Os antigos indígenas marajoaras cultuavam a natureza. Eles se reuniam em um local sagrado, de muita floresta, e faziam os seus rituais. A pajelança cabocla é um detalhe quando você não encontra solução nos remédios, então recorre-se às energias caruanas”, explicou .
Zeneida e Beija-Flor de Nilópolis
O segundo filho mais velho de Zeneida também relembrou da memorável da conquista da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, campeã do Carnaval do Rio de Janeiro de 1998, com o enredo “Pará, o Mundo Místico dos Caruanas nas Águas do Patu-Anu”, uma adaptação do livro de Zeneida: a obra “O mundo místico dos caruanas”. “O livro deu essa notoriedade para ela. E a Beija-Flor já estava há um certo tempo sem vencer o Carnaval do Rio. Foi então que ele decidiu homenageá-la, e foram campeões (…) Foi então que a Rachel de Queiroz, que era muito amiga da mamãe, disse que era a hora dela realizar o sonho de abrir o instituto”, contou Rubens Amorim.
FONTE: O Liberal